Parceria permitiu retomada de projeto, que ficou um ano parado. Produtos são vendidos por preços a partir de R$ 5. Objetivo é que grupo desenvolva habilidades, como raciocínio lógico e relacionamento interpessoal.
Na Kombinha azul estacionada nesta quinta-feira (30) na 216 Sul, área central de Brasília, há mais que quitutes de encher os olhos feitos sem glúten e sem lactose: cinco jovens autistas dividem a experiência de aprender as rotinas do comércio. O food truck voltou a rodar após passar um ano sem conseguir parcerias. Ele integra um projeto para estimular o desenvolvimento de habilidades, como atendimento a clientes e raciocínio lógico, além de sociabilização.
Os doces e salgados foram oferecidos pela chef Inaiá Sant’Ana, da Quitutices. Os produtos – como brigadeiros, cookies, bolos, brownies, pudins – já são conhecidos dos jovens, que costumavam lanchar no local durante atividades externas do Instituto Ninar. Os itens custam a partir de R$ 5, e todo o lucro da venda será revertido à remuneração do grupo e a benefícios à entidade.
O objetivo é que os jovens tenham a oportunidade de trabalhar relacionamento interpessoal e matemática aplicada em um ambiente terapêutico. As atividades terão de ser práticas: eles precisam repassar preços, calcular troco e interagir com pessoas. Parece banal para algumas pessoas, mas é um verdadeiro desafio para autistas.
“Compramos uma kombi, reformamos e sonhamos com ela. Por isso, vê-la funcionando é incrível. Temos muitas expectativas em relação ao trabalho terapêutico realizado com cada criança, jovem e adulto que atendemos. Inclusão social, cultural, escolar e alimentar existem e estão ao alcance”, afirma a psicóloga e coordenadora clínica geral do Instituto Ninar, Fabiana de Andrade.
O atendimento começa às 10h. Os jovens ganharam aventais jeans para realizar o serviço e estarão acompanhados dos terapeutas. Entre os “escalados” para o trabalho, Daniel Bertoni de Assis, de 19 anos, se diz animado. Ele tem síndrome de Down e contou ao G1 que já trabalhou em uma padaria.
“Vou vender produtos sem glúten e sem lactose. São gostosos”, disse. “[O que eu mais gosto é do que tem] Chocolate.”
Irmã do rapaz, Luiza afirma que as atividades do Instituto Ninar fizeram o irmão ficar mais animado e criar mais vínculos com amigos. “Eles levam a criança de novo para o convívio social. Fazem programas, no CCBB, vão ao shopping. É mais uma tarde de diversão em si.”
Luiza declarou achar a proposta interessante. “Nos outros lugares, às vezes não existe essa preocupação, porque o ritmo é diferente.” Ela disse que o irmão já foi vítima de preconceito.
“Acho que agora já deu uma melhorada, mas já passamos por preconceito, de chegar na escola e não aceitarem ou de professores e diretores dificultarem a continuidade ou chegar em parquinho e as pessoas irem embora. Agora é menor, mas ainda existe.”
Durante o dia, também haverá apresentação do grupo Timeout Rock Band, também formada por jovens com autismo e terapeutas. Eles apresentarão clássicos do rock nacional e internacional. No repertório, estarão canções como “Chopis Centis” (Mamonas Assassinas), “Upside Down” (Jack Johnson), “Wish you were here” (Pink Floyd) e “Ainda é cedo” (Legião Urbana).
Além disso, serão disponibilizadas camisetas para chamar atenção para a causa, a R$ 55 cada. Os tamanhos variam de 6 anos até GG adulto. Elas foram pintadas pela artista Tarsila da Cruz.
Como nasceu a atual parceria?
A chef Inaiá Sant’Ana disse que costumava ver os jovens autistas e terapeutas na Quitutices, mas não sabia que eles estavam parados por falta de quem fornecesse produtos. Trabalhando há quatro anos com “inclusão alimentar” – ela atende público com alergias severas ao leite e ao glúten –, ela afirmou ter se sensibilizado.
“Dói. Eu sinto um pouco a dor dessas pessoas. Claro que em um grau um pouco menor, mas eu sou celíaca, minha filha teve alergia ao leite, eu entendo o que é não estar incluído”, explica. “E muitos autistas têm restrições alimentares. Tenho amigos com filhos autistas e com outras necessidades especiais. Entendo a dificuldade que é a inclusão na sociedade.”
Inaiá disse esperar que a iniciativa motive outros estabelecimentos de gastronomia a participar do projeto. Segundo ela, a kombinha vai rodar com produtos da Quitutices uma vez por semana. Cada ação deve durar entre três e quatro horas.
Como surgiu a Kombinha azul?
O projeto nasceu em maio de 2016, época de disseminação de food trucks pela cidade, com o objetivo de promover inclusão profissional e social de pessoas com autismo e quadros semelhantes. A ideia é fazer um ambiente terapêutico para confrontar sintomas típicos da síndrome comportamental: dificuldade de interação social, déficit de comunicação social e padrões inadequados de comportamento.
A kombinha é desenvolvida em parceria com o Instituto Ninar, que desde 2007 oferece atendimento clínico na área de autismo. A entidade oferece atendimento na clínica, domiciliar e acompanhamento terapêutico, além de pedagógico, fonoaudiológico, médico e de educação motora.
Podem participar do projeto os alunos do instituto, a partir de 14 anos de idade, que se encaixem no perfil exigido em um atendimento comercial comum – como capacidade para seguir instruções, noções de matemática e habilidades sociais. Quando não atua como food truck, a kombinha circula pela cidade com os alunos, companhados de
Desde sua criação, o projeto promoveu eventos isolados, sem constância, devido à falta de disponibilidade de produtos e demanda. Agora, com a parceria firmada com a Quitutices, a ideia é que a kombinha circule mais frequentemente.
Fonte: G1